True.

True.
Love.

quinta-feira, julho 11, 2019

Sem ar


Semblantes marmóreos, ígneos
Habitam meus pensares e glosam meus saberes.
Avisto sempre, no horizonte, uma tempestade
Plúmbea, sinistra e sensual como o beijo da morte.
Bocas cospem labaredas, como notas de uma canção
Herege, soprada aos ventos pela voz da solidão.
E mãos de pedra e gelo me apertam os pulsos e a garganta,
Me fazendo entregar meus sentidos à agonia
De ter que ouvir meus pares, lê-los em maldade e desespero.
Não entendo mais as vozes, não vislumbro mais lógica
Em nossas buscas mesquinhas, nossos abraços medrosos,
Hesitantes demonstrações de carência orgulhosa,
Solidão disfarçada de empatia.
Semblantes me fitam, fantasmas ensimesmados,
Misturando indiferença e nojo, como se comessem num prato de ouro
 A mais pútrida refeição servida pelos lázaros políticos.
E a tempestade ribomba, distante, como numa saudação
Aos meus temores: “Veste teus pesados casacos e deixa a culpa nos bolsos,
Pois o rio é profundo e para morreres, hás de afundar mil metros
Longe de tudo. ”
E ela cai, como uma explosão, em meus sonhos. 
(Shadow)

terça-feira, abril 30, 2019

A viagem entre o vão.


A gente é o vão entre o desejo e a fome,
A gente é a soma de algo que veio não sei de onde,
Do celeste distante, da pedra, da esponja ou do infinito.
Talvez do barro...
Mas somente como um produto abundante
Que, no fundo, é a única promessa que se cumpre
Em meio às ilusões de saciarmos a ausência de razão
Que insistimos em dar à uma existência tão volátil.
Somos apenas uma célula da ponta do pavio.
E entre os copos tomados e as pancadas recebidas
A gente vai se encolhendo e esticando loucamente
Em busca de ficarmos imóveis no conforto de um futuro
Que nos ensinaram que era bom, mas que nunca saberemos.
Vamos caminhando trôpegos em certezas e abandonamos
O barco da fantasia que a vida devia ser.
Somos o abismo entre o medo e o desejo,
Remando contra a maré sempre, mesmo sorrindo
Na felicidade falível das pequenas alegrias!
Então te digo: o que nos espera é somente a escuridão sólida e palpável,
Que nos fará voltar à nossa forja inicial.
Viemos de um passado em que fomos parte de grandes galáxias,
Dançando livres, entre as estrelas mortas que afinal, são sim,
A forma primordial de tudo que nunca seremos conscientemente.
Vamos, vamos inconscientes
Rumo ao fim triunfal da vida
Que ainda que tão curta
Vale a pena ser vivida.
Antes de dormir diga: Liberdade.
E sonhe: o sonho é a fantasia que existe além da morte.

segunda-feira, janeiro 28, 2019

Excerto experimental de um cotidiano voador.


O pé formiga se fica muito parado, subi as escadas, o cão havia roubado um pão.
Ralhei com ele. De leve, pois era só um pão que podia alimentar uma criança. Se não houvesse caído no chão, embora não duvide que alguém receberia de bom grado pela lei dos 5 segundos e da fome.
Desci as escadas. O pé formiga.
Apanhei uma sacola cheia de lembranças e medos
E voltei para a companhia do meu amigo, que matava felizmente uma barata.
Apanhei o pão e a merda que o companheiro fizera agora à noite. Fechei a sacola, aterrorizado, com a barata assassinada.
Joguei a sacola do alto da laje, acertei o alvo.
Me virei e olhei o céu.
Uma gama de pequenas luzes acenava, afirmando o tempo e a existência,
Numa solidão gigantesca e infinita que habita, sussurrando grandezas
De um Universo feito de muitos versos que nos contam o segredo da ida.
- Dorme. Dorme e sonha muito no dia do sono maior. Sonha com tudo, com toda coisa
Pois o sonho nada mais é que as histórias sendo sinceras, a tua história contada como deveria
Pois a tua mente cria toda realidade. Pena que não a saibamos usar.
E percebi que nada mais tenho a que me apegar que não a lucidez de que sozinhos estamos
Embora nos façamos companhia nessa aventura sem final feliz chamada vida.
Desci, definitivamente.
O pé.
O pé está aqui. E essa é a minha fé.
(S.)

terça-feira, janeiro 24, 2017

Vocem interiorem, sad daemon

'Sentou-se à beira da vida e descascou alguns sonhos pervertidos, sob a sombra da árvore da loucura que são esses dias sulcados em intolerância e crueldade, nessa terra banhada de sangue negro, pobre, preto, feminino escurecido e masculino nas mentes, o que fazes tu detrás do desejo é o que te faz ser diferente de todos. A única salvação é a universalização da desgraça como ato contínuo, de espécie que devia preferir não procriar, pois o caldo entornou e de animais como nós nada se espera senão chafurdar, em júbilo ou desespero, isso depende da sina, nesse lamaçal de ilusão e máscaras. Do fruto que consomes, sois a casca apodrecida, envolvendo uma verdade íntima que te engana mais que a mentira de que somos solidários.
E nem mais no câncer, como disse o gênio, pois dependendo do teu acreditar, da tua origem, te desejarão sofrimentos maiores. Nós somos o povo embrutecido, vestidos de empáfia e vaidade, desfilando pelo vale da sombra da morte, orando para seres ocos nosso medo e nossa angústia. Somos os escolhidos pela força de nossa evolução que parece uma contradição quando a língua venenosa de todos nós secreta o néctar da maldade planejada, ensaiada enquanto as formigas morriam queimadas. Sorveu as almas que carregou, exauriu o oásis da iluminação que passou ao largo de quem fecha os olhos quando algo brilha.

Permaneceu sentado em sua tristeza, com as mãos laceradas e envoltas numa nódoa clara e mortal, que lhe fazia arder o espírito, vermelho-sangue de ausência e autocomiseração.

Chorou aos berros, na esperança de que quem ouvisse lhe desse alento e motivo para levantar e traçar rotas no emaranhado de caminhos que se dispõe ao trafegar dos vermes e dos inválidos, dos palhaços sem maquiagem e dos espectros noturnos de nossa criação.'

Um barulho tirou-me da contemplação e voltei à cadeira...

Dormi e entre os dentes, sangrou a língua dos sonhos.
Acordei com o lamento do dia.

Ao abrir a janela, deparei-me com a minha insensibilidade, que teimou em passar a noite ao relento, revendo suas notas sobre para onde estamos indo. Convidei a entrar, ela riu escarnecida, dizendo que estava ali dentro há muito tempo, pois se divide diuturnamente para me fazer enxergar a realidade através do véu de meus erros.

Lá fora, os desejos morrem. Estão fadados à vida curta, são os excrementos de nossa alma, expurgados como gritos de desespero.

Desejos são borboletas.
E não estátuas.


E travei cansativo diálogo com minha convidada onipresente, tomando-a como o deus que me falta, mas mais por prazer que outra coisa, pois vivo do abandono de crenças em cada esquina onde mora um assombro. E assombrado, anseio pela solidão mais profunda e escura. 


Aquela que dilacera convenções, que me remeterá ao estado primordial de tudo e todos: o mistério.

domingo, janeiro 01, 2017

Dia 1

Em cada silêncio, habita um diadema de mistérios,
Somos todos os passageiros da memória.
Nas trilhas de nossos vales e impérios,
A ânsia é sempre pela vitória.

Somos todos transeuntes da finitude,
Em cada parada, uma paixão.
Não respeitamos latitudes,
A liberdade é uma ilusão.

Atados aos nossos sonhos,
Afundamos tristemente
Num abismo profundo

E enquanto o ar se ausenta,
Vislumbramos solitários e serenos

O último brilhar da luz.

sábado, novembro 19, 2016

Regra 2

“Eu sou.”

Eu sou o vento da noite,
eu sou a fúria e o chicote,
Dou o carinho e espero o açoite.
Eu sou a minha mentira,
Sou meu poço e meu terraço,
Minha chama e meu ocaso.
Eu, sozinho, sou o partir e o chegar,
O abrir e o fechar
De olhos, de bocas, de feridas.
Eu sou a sonora e afoita canção do vento,
Sou a folha seca e o invisível elemento
Que teus olhos veem, mas teu espírito não sente.
Sou minha alma e meu poente.
Sou o sol inclemente, a chuva renitente.
Sou as nuvens longínquas e luz morta das estrelas.
Sou a ausência.

Eu sou o nada.

(S.)

domingo, outubro 23, 2016

Ser imenso

ser um é a busca de cada um, 
ser apenas o que se é, 
por ser como é 
apenas.
ser meu e ser teu, num tempo não meu 
e num momento só teu.
ser somente e tampouco, 
único em cada uma das faces.
nunca mais que dois, 
para que não sejas inteira metade
de uma parte de si mesmo.
a vida é sozinha.
a vida é só minha.
de resto, somos sempre nós.
sempre nós e a linha
a viagem no tecido
o mofo do pensar
a dureza de sentir.
tempo passa
beijo passa
sonho passa
mas e quando a visão
embaça?
ser pássaro
amar gaiolas
comer as unhas
sofrer calado.
sina de ser.
a dor de viver.
(J.)